quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O que é SER CAMPONÊS


O que é SER CAMPONÊS? Perguntam os estudiosos, pesquisadores, intelectuais, etc., na tentativa de interpretar a luta, a história, a realidade e a identidade camponesa. Mas, é chegada a hora em que os próprios camponeses se interpretem na sua própria construção histórica e na sua elaboração identitária.
O MPA, como um Movimento Camponês tem esse papel. E como tal, vem buscando ao logo de suas veredas, interpretar-se no tempo e no espaço de sua própria constituição. Como adolescentes em tempos de puberdade, ora alegres, ora indignados, torna-se extravagantes, rebeldes, demarca espaços, agriculta a vida, derruba cercas e saciam anseios. Mas, sua rebeldia tem causa, às vezes dentro de certa casualidade, de uma conjuntura quase sempre esnobe. Eis que o MPA demonstra sua força, mostra sua bandeira e expõe sua face... E muitos querem entender de onde vem e para onde vão as vítimas deste capital. Todavia, sua reação ao capital é de desencanto para protagonizar histórias de liberdades.
De faces diversas e pensamentos mil, procura se significar na historia da humanidade se fazendo humano. Talvez, precise ao longo de seus caminhos mistificarem-se, simbolizarem-se, resignificarem-se, para tão somente se interpretarem. Quem quiser que se entenda!

Alzení Tomáz
Amiga e colaboradora do MPA.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

TRANSGÊNICOS

TRANSGÊNICOS

O QUE SÃO OS TRANSGENICOS?
Os transgênicos são seres vivos criados em laboratório através de técnicas de engenharia genética desenvolvidas por cientistas, que transferem partes de um organismo para outro, ou tiram partes de um mesmo organismo, mudando a sua forma e manipulando sua estrutura natural com objetivo de obter características especificas. Isso mostra que os transgênicos são radicalmente diferentes das plantas e dos animais obtidos pelo melhoramento genético chamado de clássico ou convencional. A soja transgênica é um exemplo de organismo geneticamente modificado (OGM), pois recebeu genes de outros seres vivos que não são de sua espécie. A soja Roundup Ready (RR) da Monsanto, por exemplo, recebeu genes de uma bactéria para que se tornasse resistente ao herbicida Roundup fabricado pela própria Monsanto.
TRANSGÊNICOS: PARA QUER?
As empresas que produzem as sementes transgenicas costumam dizer que os transgênicos podem acabar com a fome no mundo, produzir alimentos mais saudáveis, aumentar a produtividade e até ajudar o meio ambiente. Na verdade, estão reciclando o discurso das décadas de 1960 e 1970, da Revolução Verde, que sabemos que aumentou a produtividade das lavouras mas também aumentou a degradação ambiental e a exclusão social.
POR QUE OS TRANSGENICOS SÃO UTILIZADOS NA AGRICULTURA?
Os transgênicos fazem parte do que as empresas chamam de “pacote tecnológico” (semente + agrotóxico) a ser vendido para o agricultor. Os organismos geneticamente modificados são um ótimo negócio para as empresas, pois é estabelecido um controle praticamente total sobre a produção. Comprando a semente transgênica, o agricultor também comprará o agrotóxico que a empresa fabrica. Alem disso, o produtor terá que comprar novas sementes a cada safra. Diferente da semente hibrida, que já tornava o agricultor dependente da industria, agora com as sementes transgenicas o produtor é obrigado a assinar um contrato com a empresa. Nele o agricultor assume o compromisso de não multiplicar sementes e de só usa-las naquele ano. Caso reserve, venda ou troque sementes, a empresa, pelos termos do contrato, poderá processar o agricultor. No caso de desconfiança, ela tem direito de entrar na propriedade e colher amostras da lavoura para saber se as sementes delas foram usadas. Nos Estados Unidos passam de 100 o numero de processos da Monsanto contra agricultores que multiplicaram sementes para o ano seguinte.
TODOS ESTES BENEFÍCIOS SÃO MITOS.
OS TRANSGENICOS NÃO VÃO ACABAR COM A FOME. Isso porque a fome no mundo não é um problema de falta de alimentos, mas de distribuição deles. De acordo com dados da FAO, há alimentos suficientes no mundo para alimentar cada habitante do planeta com 1,7 kg de cereais (como arroz e trigo), feijões e nozes; 200g de carne e 0,5 kg de frutas e vegetais. O problema do acesso à alimentação é a falta de renda da população e não a falta de alimentos.
OS TRANSGENICOS NÃOTÊM MAIOR PRODUTIVIDADE. Na Argentina, onde a plantio de transgênicos começou há onze anos, o rendimento na plantação de soja é estatisticamente semelhante ao da plantação convencional. Nos Estados Unidos, relatórios do próprio governo admitem que os cultivos não aumentaram o potencial da colheita de qualquer variedade e, em alguns casos, diminuiu este potencial. As variedades que protegem as plantas das pestes aumentaram a colheita total em relação ás variedades convencionais, especialmente nos cultivos Bt, mas este fato pode mudar com o tempo devido ao aumento da resistência das pestes à toxina produzida pela planta Bt.
OS TRANSGENICOS NÃO SÃO CAPAZES DE REDUZIR O USO DE AGROTÓXICOS. Na Argentina, atualmente, existem nove espécies de plantas invasoras suspeitas de serem tolerantes ao herbicida glifosato, o Roundup. Para enfrentar este novo problema, os produtores estão usando até 8 litros do herbicida por hectares por cada ciclo de cultivo. Nos Estados Unidos, que plantam soja transgênica há 11 anos, aumentou em 86% o uso de herbicidas na soja RR. No Rio Grande do Sul, embora não existam dados oficiais do governo, os agricultores comentam que a soja transgênica produz de 10 a 25% menos que a convencional e sofre mais com a seca.
OS ALIMENTOS TRANSGENICOS NÃO SÃO MAIS NUTRITIVOS. As empresas de Biotecnologia não têm desenvolvido alimentos mais nutritivos. Elas apenas desenvolvem sementes que se encaixam em seu “pacote tecnológico”, ou seja, resistente aos agrotóxicos que fabricam. Depois de 12 anos no mercado, os transgênicos cultivados hoje têm apenas duas características: Resistência a herbicida ou a lagartas. Quatro espécies transgenicas são cultivadas em escala comercial: soja, algodão, milho e canola. Pouco mais de três de cada quatro hectares que são cultivados com plantas transgênicas no mundo são de plantas resistentes a herbicidas, principalmente a produtos à base de glifosato. Ou seja, a propaganda diz muita coisa e muitas promessas são feitas pelas indústrias da biotecnologia, mas até agora isso está longe da realidade e o que se viu foi o aumento da dependência dos agricultores e da desconfiança dos consumidores.
O CONTROLE DAS TRANSNACIONAIS SOBRE AS SEMENTES. Para utilizar uma semente transgênica, o agricultor precisa pagar uma taxa para a empresa dona da semente. Esta taxa é chamada de “royalty” e o preço é determinado pela empresa. Para reproduzir a semente, o agricultor tem que ter a autorização da empresa e pagar novamente a taxa tecnológica. No Rio Grande do Sul, onde o plantio de soja transgênica foi ilegal, a Monsanto fez um acordo com todas as serialistas, armazenadoras e distribuidoras de grãos para cobrarem a taxa tecnológica dos agricultores. Em 2004 a taxa era de R$ 0,60 por saca de soja em 2005 a taxa passou para R$ 1,20. nenhum agricultor consegue vender sua produção sem pagar esta taxa. No mundo inteiro, tem sido comuns os processos judiciais das empresas contra os agricultores. Somente a Monsanto gasta 10 milhões de dólares por ano com advogados dedicados exclusivamente a investigar e perseguir agricultores que supostamente fazem uso indevido de suas sementes. Os casos conhecidos somam 147 agricultores acusados e processos contra outras 39 pequenas companhias. Pelos contratos que têm com os agricultores, mesmo que estes tenham deixado de plantar transgênicos, empregados da Monsanto podem entrar a qualquer momento dentro das propriedades para fiscalizar a produção até cinco anos após o plantio de transgênicos. O agricultor que planta transgênicos não pode armazenar e reproduzir as sementes sem autorização da empresa.

ORGANIZAÇÃO: Vera Lucia – MPA - AL

Bibliografia de referência
AS-PTA - Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa.
TERRA DE DIREITOS – Organização Civil Pelos Direitos Humanos.



Luta Camponesa – Soberania Alimentar e Poder Popular

BIODIVERSIDADE

BIODIVERSIDADE
“É o conjunto das diferentes formas de vida vegetal e animal que existem na natureza. Quanto maior a diversidade de formas de vida, ou seja, quanto maior a biodiversidade de uma região, maior sua riqueza. Segundo os cientistas, o que sustenta o nosso planeta é precisamente essas milhares de formas de vida complementares que existem no mundo vegetal e animal. As sementes transgênicas representam a uniformidade das plantas, uma espécie de monocultura mundial, e isso coloca em risco a biodiversidade e o próprio equilíbrio da vida no planeta, segundo a cientista indiana Vandana Sbiva”.

BIODIVERSIDADE E BIOSSEGURANÇA.
Atualmente, discutem-se no mundo aspectos que estão estreitamente ligados a nossa vida cotidiana, a nossa ação como camponeses, tais como a regulamentação e o aproveitamento da biodiversidade, o uso e a conservação dos recursos genéticos e a liberação dos organismos transgênicos que afetam a saúde da população, o ambiente rural e a economia camponesa. Os órgãos internacionais responsáveis por esses temas enfrentam um grande dilema: adotar a via do uso racional e inteligente dos recursos naturais, para um desenvolvimento sustentável, ou adotar a via que o livre comércio quer impor, da dominação do capital financeiro e o abandono da soberania alimentar.

BIOSSEGURANÇA: A VIDA EM BOAS MÃOS
Para o Movimento dos Pequenos Agricultores, a biodiversidade tem como base fundamental o reconhecimento da diversidade humana, a aceitação de que somos diferentes e de que cada povo e cada pessoa têm liberdade para pensar e para ser.
Vista dessa maneira, a biodiversidade não é só flora e fauna, solo, água e ecossistema. É também culturas, sistemas produtivos, relações humanas e econômicas, formas de governo. Em essência: LIBERDADE.
A diversidade é nossa própria forma de vida. A diversidade vegetal nos dá alimentos, remédios e casa, assim como a diversidade humana, com pessoas de diferentes condições, ideologia e religião nos dá a riqueza cultural. Isso demonstra que temos de evitar que se imponham modelos e que predomine uma só forma de vida ou um só modelo de desenvolvimento.
Opomo-nos a que se privatizem e patenteiem os materiais genéticos que dão origem à vida, à atividade camponesa, à atividade indígena. Os genes, a vida, são propriedades da própria vida. Nós, os camponeses, a temos protegido, cuidando dela com uma educação clara de geração em geração, com um profundo respeito à natureza. Somos nós, os camponeses, que realizamos o melhoramento genético e nossa maior contribuição é a evolução de cada uma das espécies.
Camponeses, homens e mulheres, pequenos agricultores, juntos com pescadores e artesãos, os povos indígenas e as comunidades negras, historicamente somos quem conserva, cria e maneja sustentavelmente a biodiversidade agrícola, que foi, é, e será a base de toda agricultura.

POR ISSO, NÓS DO MOVIMENTO DOS PEQUENOS AGRICULTORES E TODA A VIA CAMPESINA PROPOMOS:
Que a biodiversidade deve ser a base para GARANTIR A SOBERANIA ALIMENTAR, como um direito fundamental e básico – não negociável – dos povos. Direito que deve prevalecer sobre as diretrizes da OMC. Hoje, existem no mundo 800 milhões de pessoas com fome. Para resolver esse problema, devemos pensar em utilizar os alimentos locais, com que nos brinda a diversidade, apoiar os mercados regionais e locais, aplicar a pesquisa e a tecnologia com maior eqüidade.
UMA MORATÓRIA na bioprospecção (exploração, coleção e recoleção, transporte e modificação genética) e o acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos que os camponeses e as comunidades indígenas possuem desses recursos, enquanto não existirem mecanismo de proteção dos direitos de nossas comunidades para prevenir e controlar a biopirataria.
Proteger e promover OS DIREITOS DOS CAMPONESES sobre os recursos genéticos, o acesso à terra, ao trabalho e à cultura. Isso deve passar por um amplo processo informativo e participativo dos atores da biodiversidade. Para isso, estabelecer um mecanismo de consulta e monitoramento permanente com as organizações de agricultores, indígenas e comunidades.

PLANO CAMPONÊS- POR SOBERANIA ALIMENTAR E PODER POPULAR!

A industria dos Venenos

Agrotóxicos

As transnacionais continuam investindo pesado na produção de venenos para a agricultura, sendo os herbicidas o principal produto. Desde 2006, o Brasil passou a ser o maior consumidor de venenos na agricultura no mundo, vendendo em 2008, 723,5 milhões de toneladas e com um faturamento de 7. 125 bilhões de dólares. Os herbicidas representam 45 % das vendas, os inseticidas 29 % e os fungicidas 21 % das vendas. Segundo a ANVISA, 15 % dos alimentos consumidos no Brasil estão com excesso de venenos. As conseqüências para os seres humanos e o meio ambiente são cada vez mais graves no mundo. Pouco se divulga e pouso se sabe a respeito dos efeitos desta indústria perigosa.
Derli Casali
Direção do MPA – Nordeste

Conjuntura

São muitas as pessoas dos movimentos sociais que andam se perguntando sobre em que se encontra a crise que os meios de comunicação de massa andam falando que está chegando a ao fim. Bom. A crise continua e continuará ainda por muito tempo.
O fato é que os EUA continuam hegemônicos, mesmo ainda profundamente marcados pela crise financeira produzida pelo neoliberalismo e ainda configurada pelas relações neoliberais. A situação Norte Americana não é pior devido as riquezas que as instituições imperialistas arrastam para dentro do País: Banco Mundial, OMC. FMI e as próprias transnacionais. Mas de uma coisa não podemos esquecer: as práticas neoliberais não darão fôlego à economia Norte Americana por muito tempo.
A situação da América Latina, na forma como se apresenta hoje e o que irá acontecer até 2011, tem uma importância singular para o mundo. As próximas eleições que vão acontecer na Argentina, Uruguai, Chile, Brasil, Peru, apontam para situações que podem dizer muitas e muitas coisas sobre o futuro da América do Sul e suas relações com Estados Unidos. A decisão política entre EUA e Colômbia sobre as bases Militares Yanquianas em territórios Colombianos mexe com toda a América latina.
Podemos dizer que os próximos cenários eleitorais, sem contar as políticas que estão se definindo no Equador e na Bolívia, o peso que o Brasil tem a nível latino Americano e internacional por ter uma base industrial, agrícola, tecnologia e comercial que escapa ao conjunto da América latina, podem definir muitos dos rumos da América latina e suas relações com o mundo. E os Estados Unidos, certamente terão que construir outra base, outro modelo de organização da produção, do mercado, caso queiram garantir a hegemonia no mundo por um tempo mais prolongado.
Derli Casali – MPA

Direção Regional Nordeste – MPA

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Trabalho Escravo e Técnologias Modernas

Trabalho Escravo e Técnologias Modernas

Nestes dias, acabei me encontrando com cinco trabalhadores do Município de Ouricuri PE, que foram plantar cana numa fazenda, em Mato Grosso. Segundo depoimento dos mesmos, eram obrigados a trabalhar durante 12 horas por dia, sem parar. O trabalho era tão brutalizado, que muitos não resistiam e desmaiavam principalmente aqueles que picavam a cana nas valas. Um deles disse assim: senti, na pele, o que é trabalho escravo, onde o feitor olha para a gente como se não fôssemos nada, apenas produtores de riquezas para o patrão.
No Brasil, a escravidão continua muito presente. Desde 1500, com a escravidão dos indígenas, depois, a escravidão dos negros, e hoje a chamada escravidão da peonagem nos cortes de cana, exploração de minas, fazendas de gado, podemos dizer que a acumulação de riquezas, no Brasil, ainda se dá muito mais por meio da violência, do trabalho não pago e brutalizado. É muito comum encontrarmos sertão adentro, em fazendas, trabalhadores trabalhando apenas pela comida ou por uma quantia irrisória de 5 a 10 reais por dia, com jornada de mais de 10 horas. Isso mostra claramente como o capital acumula riquezas por meio do trabalho não pago e de forma violenta.
O que nos deixa perplexos é o fato da sociedade, no chamado tempo cotidiano, tem a compreensão que a escravidão não existe mais, e quando disse para os trabalhadores que aquelas formas de plantar cana, de cortar, constituíam em relações escravocratas, desumanas, um deles disse assim “pelo que sei já foi assinada a lei que deu fim ao trabalho escravo. Nosso Brasil não tem mais trabalho escravo". Infelizmente, essa é a leitura feita pela escola e meios de comunicação de massa que ao invés de ajudar as pessoas a se verem dentro das contradições da sociedade, ajudam bestializar, idiotizar ainda mais as pessoas. Em função disto, as pessoas não se vêem escravizadas, domesticadas, negadas até as últimas conseqüências. Têm muito forte a compreensão de que a riqueza acumulada nas mãos de alguns é fruto da capacidade, da inteligência e da proteção divina. Não se dão conta das diversas formas que os ricos exploram as classes trabalhadoras, apropriando-se do trabalho não pago. Nunca, na história do capitalismo, o trabalho não pago foi tão forte como na atualidade.
A substituição, de até 150 trabalhadores por uma baita máquina que corta cana, significa dizer que a produção desta máquina acumulou mais valia nas mãos da empresa, agora, nas mãos de um trabalhador fazendo a operação, responde pelo trabalho de 150 trabalhadores. A complexidade das relações capital trabalho, acumulação de riquezas, requerem produções tecnológicas cada vez mais excludentes e que acabam obrigando os excluídos a buscarem formas de trabalho no mundo do crime: roubos, pistolagem, assaltos, mundo do narcotráfico, do sexo... Faz crescer uma massa de gente que não consegue mais se aperceber nem dentro do tempo estrutural, conjuntural e cotidiano, ou seja, desterritorializando, descontextualizando e individualizando cada vez mais o ser humano. Quando mais são modernizadas as tecnologias apropriadas pelo capital, mais crescem as brutalisações no mundo.

Derlí Casali – Membro da Direção Regional/NE do Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA

AMERICA DO SUL À BEIRA DO FUTURO

AMERICA DO SUL À BEIRA DO FUTURO
JOSÉ LUÍS FIORI

Depois de uma década à esquerda, a América do Sul está entrando numa zona de forte turbulência. Neste final de 2009, o Uruguai pode eleger para presidente da republica, um homem do povo e ex-guerrilheiro tupamaro, e o Chile talvez eleja um bilionário arrogante e de direita, que lembra muito o primeiro ministro italiano, Silvio Berlusconi. Há menos de um da reeleição dos presidentes da Bolívia e do Equador que se propõem mudar radicalmente a estrutura do estado e da propriedade dos seus países, com objetivos socialistas, mas sem ruptura revolucionária. Em 2010, haverá eleições na Colômbia e no Brasil, e em 2011, no Peru e na Argentina. Durante esta primeira década do século, as mudanças no continente foram apoiadas pela expansão econômica mundial, que também estimulou o projeto de integração América do Sul. Mas a crise financeira de 2008 provocou uma desaceleração do crescimento e do próprio projeto de integração econômica. E o projeto de integração política foi atingido em cheio pelo novo acordo militar entre a Colômbia e os Estados Unidos, que autoriza o uso do território colombiano por forças militares norte-americanas, de onde poderão controlar o espaço aéreo da Venezuela, e de toda a América do Sul. Por isso, não é exagero dizer que o futuro da América do Sul, na primeira metade do século XXI, pode estar sendo decidido nestes próximos dois anos. E já é possível mapear as grandes disjuntivas e escolhas que estão no horizonte do continente sul-americano.
Em primeiro lugar, do ponto de vista econômico, o que se deve esperar para depois da crise é um aumento da pressão dos mercados internacionais e o aprofundamento da condição periférica e primário-exportadora da maioria dos países sul-americanos. Mesmo com o alargamento e diversificação dos seus mercados compradores, na direção da Ásia, e da China, em particular. Nesta nova conjuntura, só uma vontade política coesa e continuada poderá manter de pé o projeto de integração sul-americano. Isto supõe uma decisão de estado e uma capacidade coletiva de manter sob controle os conflitos locais, a despeito das mudanças de governo. E supõe também, uma política conjunta de fortalecimento do mercado interno da América do Sul, com a redução da dependência regional das crises e das flutuações dos preços internacionais. Neste ponto, não existe meio termo, porque os países dependentes da exportação de produtos primários, mesmo no caso do petróleo, nunca conseguirão comandar sua própria política macro-econômica, e muito menos ainda, a sua inserção na economia mundial. Em segundo lugar, do ponto de vista político, a crise econômica explicitou ainda mais as assimetrias e desigualdades nacionais e sociais que estão por trás da heterogeneidade política regional e que explicam, em parte, a falta de interesse ou de entusiasmo de alguns países do continente, pelo projeto sul-americanista. Por fim, do ponto de vista da segurança continental, o aumento da presença militar americana na Colômbia serve para relembrar que a América do Sul seguirá por um bom tempo – e mesmo que não queira - sob a “proteção” do poder espacial, aéreo e naval dos EUA. E terá que ter uma enorme persistência e tenacidade para construir um sistema autônomo de segurança regional, sem produzir uma corrida armamentista dentro da própria região.
De qualquer forma, uma coisa é certa: o futuro do projeto sul-americano dependerá cada vez mais das escolhas brasileiras, e da forma que o Brasil desenvolva suas relações com os Estados Unidos. Do ponto de vista econômico, a pressão dos mercados internacionais e as novas descobertas do petróleo da camada do pré-sal, também estão oferecendo para o Brasil, a possibilidade de se transformar numa economia exportadora de alta intensidade, uma espécie de “periferia de luxo” dos grandes potencias compradoras do mundo, como foram no seu devido tempo, a Austrália e a Argentina, entre outros. Mas existe a possibilidade do Brasil escolher um outro caminho que combine seu potencial exportador, como uma estrutura produtiva industrial associada e liderada por uma economia mais dinâmica, como é o caso contemporâneo do Canadá, por exemplo. E além disto, existe uma terceira alternativa, absolutamente nova para o país, e que aponta de certa forma, para o modelo da estrutura produtiva norte-americana: com uma indústria extensa e sólida, e uma enorme capacidade de produção e exportação de alimentos e outras commodities de alta produtividade, incluindo o petróleo, no caso brasileiro. Por outro lado, no campo político, depois da hegemonia das idéias neoliberais e privatistas, e do “cosmopolitismo subserviente”, no campo internacional, está se consolidando no Brasil, um novo consenso desenvolvimentista, democrático e popular, mas que neste caso, não tem nada a ver com socialismo. As perspectivas futuras desta coalizão de poder, entretanto, dependerão, em grande medida, da estratégia internacional dos próximos governos brasileiros. O Brasil pode se transformar num “aliado estratégico” dos Estados Unidos, da Grã Bretanha e da França, com direito de acesso à uma parte de sua tecnologia de ponta, como no caso do Japão, ou mesmo de Israel, que acessou à tecnologia atômica militar, com a ajuda da França. Mas o Brasil também pode escolher um caminho próprio de afirmação soberana e de expansão do seu poder internacional. E neste caso, se o Brasil quiser mudar sua posição geopolítica, obedecendo as “regras de jogo’ do sistema mundial, terá que desenvolver um trabalho extremamente complexo de administração contínua das relações de competição, conflito e complementaridade com os Estados Unidos, e com as demais potências, tomando com norte os seus próprios interesses econômicos e geopolíticos. Numa disputa prolongada pela hegemonia da América do Sul, como se fosse uma “luta oriental” com os Estados Unidos. Caminhando através de uma trilha muito estreita e durante um tempo que pode se prolongar por várias décadas. Além disto, se o Brasil quiser liderar a integração soberana da América do Sul no mundo, terá que inventar uma nova forma de expansão econômica e política continental e mundial, sem “destino manifesto” nem vocação missionária, e sem o imperialismo bélico das duas grandes potências anglo-saxônicas.